Sinto perto teu cheiro
Por entre tantos odores,
Ainda que chegue ligeiro
Inebria qual ramo de flores.
Vejo-te agora à direita;
Mesmo à minha frente.
De tanto estar à espreita
Julgo estar já demente.
E teus cabelos doirados
Impelem o meu avanço.
Longos, finamente esticados,
Esvoaçando no teu balanço,
Tornam-se como qu'avermelhados
Travando meu impetuoso lanço.
Mas sei que aqui estás
Perdida nestes aromas,
Basta que olhes p'ra trás
Emergindo sobre as sombras.
Os graves mudam de tom,
Ritmados e mais cadentes,
Pelo percurso ouço o som
De múltiplas línguas diferentes.
Agora sei, seguramente
Que valsas na multidão.
O meu desejo é premente
De t'encontrar na escuridão.
Namoro tua delicada anca,
Tão sinzelada silhueta,
Moldada por saia branca,
Enfeitada com fita preta.
O salão cruzo com perseverança
D'em meus braços te recolher,
Rapidamente perco a esperança;
Visto realmente, não te reconhecer.
Não és tu, não és.
P'lo que vejo confesso
Não foi um revés,
Antes, um sucesso.
E então dançamos
Por um bom bocado,
No bar conversamos
Riscando o passado.
Funciona, tal pertinácia
Pois brindamos os dois agora...
Poderá parecer falácia,
Mas ela quer, já ir embora.
Saímos os dois apressados
E logo começamos a perceber,
Estivéssemos menos tocados,
Saberíamos o que irá acontecer.
Bastantes copos e vários cigarros
Acompanharam tão belo momento.
Saímos de táxi, deixamos os carros,
O resto caiu... No esquecimento.
Acordo sem saber onde estou,
Mas vejo-te tomar banho...
Talvez não saibas quem sou
E permaneça p'ra ti um estranho.
Não me lembro como te chamas,
O que poderá ser um problema.
Assim parto, evitando dramas,
E não esperes, um telefonema.
Já cá em baixo sinto ar fresco,
Ele desliza sobre a calçada.
Surge-me um sentimento novelesco
Em forma de memória retardada.
Lembro que mantive a intrepidez;
Num gesto lhe estiquei minha mão.
Apercebo-me da tamanha estupidez,
De lhe ter dado, meu alvinegro cartão.
2 comentários:
Score
Inspiração total enorme.
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