Olhos no Mel III

Está frio e ela voou,
Tão forte a ventania,
E quando à mãe se chegou
O leito já forte corria.

Alegre com a vida boa
De tempos outrora felizes,
A folha que vai à toa
Regressa, então às raízes.

Rubra ela adivinhava
Qu'o tempo s'estava a ir,
Perene ainda agarrava
O ramo qu'a viu fugir.

Altiva qual obra d'arte,
Do verde escureceu.
Viveu a melhor parte;
Agora caiu e... morreu.

O&O

Numa caixa tens as prendas.
As prendas tens numa caixa,
P'ra q'assim te surpreendas
Um pouco antes da rebaixa.

Tens na caixa o que sinto
E o meu dia tão frenético,
Tens na caixa um labirinto
E tod'o meu lado poético.

E sim, pois és essencial,
"... não sei que mais e coisa e tal"
Dou-te a caixa amor... Feliz Natal.

Olhos no Mel II

Está frio e a folha vai
P'rós pés do Pater ramo.
Definhando mais uma cai,
Enquanto aqui declamo.

Triste e vil façanha
Da nascida esverdeada,
Perece pois é castanha,
Outrora avermelhada.

Enquanto se vão mutando
Qual astuto camaleão,
Mais umas vão redundando
No árido espaço de chão.

A idade não lhe perdoa,
Nem tão pouco o temporal.
A folha que já foi boa,
Deixou de o ser afinal.

Cascatas

© Trêsporcento

Boa Noite

Enquanto o meu pé procuras
Com o teu, pé deslizando,
Ainda que quase às escuras
O meu, astuto, vai-te esperando.

Não fosse o barulho, ou a temperatura
Que lentamente nos vai consumindo
Esses indícios que vão emergindo
Respondem-nos que; "Chegou a'ltura".

(Saltemos então, já, tal parte
Só nossa, tal intimidade.
Pois nosso aconchego é arte
Nosso refúgio jorra verdade).

Ajeitas agora, teus longos cabelos,
Sob um pesado e intenso véu.
Eu, deslizo ambos os cotovelos
Preparando-me para... Tocar o céu.

E, em meu dorso, finalmente poisas,
Teu intenso e comprido perfume.
Essas labaredas de pequenas coisas
São a nossa paixão, o nosso lume.

Algum Dia Te Disse?

Algum dia te disse
Como é bom segurar-te?
Ainda que m'abstraísse
Augurava apenas tocar-te.

Já mencionei alguma vez
Que deveras sinto falta,
No círculo da tacanhez
Ver uma imagem tão alta?

E mencionei a vertigem
Das coisas mais pequenas?
Elas que são a origem...
De sensações tão terrenas.

Não sei se te roguei
Para lá das cortinas
Tão felpudas, eu ousei
Contemplá-las tão finas.

Algum dia te disse
Qu'o teu espírito encantador
E a tua essência de flor,
Fizeram que emergisse
O meu cariz trovador?

A Casa com Cercas Brancas II

Estamos os dois sentados
C'uma reconfortante bebida
Enrolados numa manta comprida
Juntos, tão aconchegados
Sinto-te por fim, aquecida

Enquanto esticas as pernas
Deslizando-as nas minhas
Até agora sozinhas
Sinto-as tão longas e ternas
Desmesuradamente tenrinhas

Tuas bochechas ruborizadas
Pelo brando lume da lareira
(Que vai engolindo madeira)
Parecem cerejas avermelhadas
(Ou é por estares à minha beira)

Desfias-me os caracóis
Soltando um ou outro riso
Cheiro-te o cabelo quase liso
Puxemos agora os lençóis
E... Voltemos ao paraíso

Deixas-me um beijo breve
No canto da sobrancelha
Deslizando par'a orelha
Mesmo sendo ao de leve
Irradia qual centelha

Acid Rain

© Liquid Tension Experiment

Deixa-me

Deixa-me contar nas entrelinhas
Tudo aquilo que tenho a dizer
Pois as palavras não são sozinhas
Trazem muito mais p'ra entender

Deixa-me dizer de modo vago
Esta história que eu te conto
Pois as palavras são meu afago
E meu silêncio é contraponto

Deixa-me cantar por poesia
Algo que não ouso em prosa
Pois as palavras são ousadia
Perante uma flor tão formosa

Deixa-me, deixa-me apenas falar
Em qualquer direção do vento
Pois as palavras são o luar
As palavras são nosso alento

Entrelaçados

Foi em frente aos violinos
Que vi uma menina simpática
Um pouco melodramática
De fulgores repentinos
E bastante enigmática

Será, qualquer uma das flores
Pois é fresca e viçosa
Um tant'ò quanto teimosa
Espalhando seus odores
Elegante, altiva, graciosa

A tal menina bonita
Dos cabelos acastanhados
(Por aqui, já mencionados)
Dá-nos por fim a pepita
De os trazer entrelaçados

This Train Is Bound for Glory

© Mumford & Sons | Edward Sharpe & the Magnetic Zeros | Old Crow Medicine Show

Untitled

© Sensible Soccers

Ela

Ela passa à mesma hora,
Perto da minha porta.
Momento que não demora,
Momento que mais importa.

Ela desfila na pedra rica,
Com a sua roupa escura,
Mas o qu'em meus olhos fica
É a sua longa envergadura.

Ela vagueia pela madeira
Com beleza de cigana.
Na aridez ela é roseira
Que me leva ao nirvana.

Ela por vezes evita
Comigo ter contacto,
Mas ela é tão bonita
Que me deixa estupefacto.

Ela por vezes é afável,
Riquíssima em simpatia,
Ou torna irrefutável
Toda e qualquer empatia.

Ela traz algo no olhar,
Algo tórrido e febril.
Ela faz-me despertar
O meu passado juvenil.

É só. E é tudo.

Apetece-me uns cabelos seguros
No topo de uma cabeça
E mesmo que algo aconteça
Que permaneçam escuros
E sua cor não desvaneça

Apetece-me uma boca pequena
Feita de lábios finos
Fonte de desatinos
Inversamente serena
A meus atos libertinos

Apetece-me um pescoço elegante
Estilete enlouquecedor
Para cheirá-lo doravante
Pois ele é deveras cativante
Tão delgado e tentador

Apetece-me umas mãos compridas
Com uns dedos alongados
Muitíssimo bem tratados
Ausentes d'unhas coloridas
Dignas de contos encantados

Apetece-me umas pernas longilíneas
Enfeitadas com estreiteza
Banhadas por singeleza
Completamente retilíneas
E repletas de magreza

Apetece-me uns pés imensos
Com algo de pitorescos
Quase rocambolescos
Delicados e extensos
Deliciosamente gigantescos

Apeteces-me.
É só. E é tudo.

Caliente

© Marco Bailey

Lust for Life

© Iggy Pop

O Sofá de Pele Italiana

© The Divine Comedy


Enquanto deitas a mão direita
Sobre a minha finíssima pele,
Colocas-te como qu'a espreita
De uma forma que m'impele.

Poisas então teu olhar
Sobre o guarnecido encosto,
Não necessitas perguntar;
"Faço-o, com todo o gosto."

Beijo tuas costas claras
Até os dois pontos finais.
Imperiosa me reparas;
"Sejamos, mais animais."

Fincas então os joelhos
Vincando-me o cabedal,
Vociferas par'os espelhos
De forma algo abissal.

Pingentes, os avantajados,
(Para tal estrutura mediana)
Viajam tão descontrolados,
No sofá de pele italiana.

Teus flamejantes fios
Que me preenchiam a mão,
Voltam a ser como rios
Desaguando noutra direção.


Da Cruz Francisco

Fiya Wata

© Edward Sharpe and the Magnetic Zeros

Hoje Estavas Mesmo Bonita II

Juro que trazia o palpite.
E tal intuição não falhou,
Parecia quase um convite
Que meus azuis contemplou.

Estava já algo impaciente;
Nem por serem poucos dias,
Falhou teu cariz sorridente.
(E como eu gosto que sorrias!)

Será, obviamente prazeroso
A todo e qualquer momento,
Mostrares teu lado gracioso
Oferecendo algum provento.

Hoje, hoje estavas mesmo bonita.
Sobre teu pescoço alongado
Teu negro cabelo, hoje enrolado.
Espero que se repita
O pedaço de El Dorado.

AFG

© Sensible Soccers

Eden IV

Novamente recorro a ti,
Para resolver a situação,
Pois aqui eu descobri
Como amainar o coração.

Talvez seja p'la natureza
Ou pelos gritos animais,
Que m'envolvem na pureza
De teus contornos especiais.

Por isso, de quando em vez
Venho provar-te a sabedoria
Que m'ofereces com fluidez,
Jardim, que m'ensinas magia.

© Rebelo da Costa